segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

António Alçada Baptista

s Mulheres e o Amor
As mulheres são os nós e os laços do afecto, a aprendizagem, a memória constante na reflexão da infância. São as tias, as criadas, amas, que “davam o carinho e a humidade que os homens não tinham para dar”. Em “Tia Suzana, meu Amor”, talvez a sua novela em que o tempo da memória vai mais fundo, pode ler-se:
«Não consigo zangar-me com a minha infância só porque ela estava cheia do carinho das mulheres, mas tudo o mais era uma vida de enganos. Os homens parece que queriam que eu fosse o que não eram, como se estivessem a redimir-se do poucochinho em que se tinham tornado.».
Um tempo em que não se falava do amor e do corpo, nem tampouco do desejo. Um tempo em que a mulher recebia pelas suas manifestações de carinho a frieza do preconceito masculino que aniquilava a exteriorização dos sentimentos. Diz a "Tia Suzana": «Um dia tive prazer e reparei que ele ficou surpreendido. Descobri que tinha que seguir umas certas regras: não podia mostrar-lhe o meu desejo porque ele não gostava e não podia fazer nada para lhe dar prazer(...)Como vês, a vida do meu corpo foi um bocado monótona...».
Foi com estas mulheres que experimentaram o amor sombrio e solitário que aprendeu o amor solar: amar deve ser «uma atitude de compreender e aceitar: é reconhecer os outros e respeitar a sua liberdade». Recusa o amor feito de sobejos, carregado com tudo o que não encontra outro lugar para se explanar: a solidão, as frustrações, a insegurança, o desejo de poder. Assim, defende que no amor ninguém pode ser dono de ninguém, negando a escravidão a que as mulheres da sua infância eram submetidas. A própria fidelidade deve ser exigida à compreensão e liberdade do outro: «a fidelidade ao respeito recíproco da livre singularidade do outro e do livre traçar do seu destino» (in O Riso de Deus). Não se entenda, no entanto, Liberdade por libertinagem, porquanto respeitar o outro é reconhecer que ele é livre e agir em conformidade com esse reconhecimento, esclarece-nos o autor.
Um homem Também Chora
Foi com as mulheres que aprendeu a renegar o preconceito sobre manifestações exteriores de enternecimento dos homens da sua infância. Em «Os nós e os laços» conta um episódio de um funeral onde era patente a divisão cultural entre o comportamento feminino e masculino: as mulheres choravam e os homens mantinham-se sérios. Na altura optou fazer de mulher, e chorou. Tinha escolhido a parte meiga e terna, a generosidade e a delicadeza, a ternura e o afecto, recalcados nos homens, pois assim lhe exigia a sua imagem pública.
Escolhendo a fragilidade, optava pelo poder maior: «As pessoas em geral, e especialmente os homens, não foram ensinadas a viver a radiosa epopeia da fragilidade. Ninguém nos disse que é nessa espécie de fragilidade que está a nossa marca e a nossa grandeza e que só ela nos desvenda o fantástico universo da ternura.». Ousamos acrescentar que "aprendeu a chorar" porque ousou ser feliz. Numa idade de Outono, num caminho sereno, o autor refere que quando lhe dizem ter muita sorte, responde «Nem imaginas o trabalho que me deu ter a sorte que tenho»
António Alçada Baptista, in «Os Nós e os Laços»; «O Riso de Deus»; «Tia Suzana, meu Amor»; «O Tecido do Outono» e «A Cor D

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