quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

MINHA TERRA

Hoje, passeando no blog da minha amiga trasmontana, Maria Tereza Fernandes, encontrei um poema de sua autoria intitulado “Minha rua”, que me transportou aos melhores anos da minha vida, aos meus tempos de criança, quando ainda morava na minha querida cidade natal, São Vicente de Férrer.

No texto, a Terê, Tê, ou Mité (ô mulher pra ter tantos nomes! rsrsrs), faz a descrição da rua onde viveu sua meninice, e o seu relato tem tanta semelhança com tudo o que vivi na minha mais tenra infância, que até parece o reviver da minha própria história.

Talvez a similitude se deva ao fato de os nossos costumes serem uma herança dos usos, da vivência, nas aldeias do interior de Portugal; talvez, seja simplesmente porque toda e qualquer recordação da meninice de alguém tenha em si uma magia que a doura com o mesmo perfume da saudade das outras.

O certo é que dos versos da Mité foram saindo os recantos e personagens dessa terra querida que “sinto mais como minha” (trazendo para os meus escritos as suas palavras), pois foi ali que eu nasci, vivi os primeiros anos da minha vida, e é dali que me vem inspiração para tudo o que escrevo.

E assim, vejo a minha avó sentada em seu mochinho de pau a manusear os bilros, tecendo na renda branca os mais lindos desenhos de pássaros e flores, a prender a linha na almofada com espinhos de laranjeira ou de mandacaru; ou ainda, tecendo belas redes de fio de algodão com vastas varandas no seu grande tear.

E na saudade, meu olfato se delicia com o perfume de jasmim, resedá e rosa-todo-ano, com o cheiro de bosta de boi e de terra molhada, nos canteiros de jirau plantados de cebolinha e coentro; se delicia com o do odorífico café da minha avó Maria a recender na fresca viração que aliviava o mormaço das tardes quentes. Café torrado por ela mesma no caldeirão de ferro e socado no pilão, onde a minha doce avó, às vezes, adicionava um poucochinho de erva-doce, só para tornar ainda mais aromática a deliciosa bebida, que se tornou tão brasileira, tão nossa. Minhas papilas se enchem de saliva ao lembrar o cheiro agradável e gostoso do bolo inglês da minha madrinha Zenaide, dos doces secos e do filhós feito pela minha mãe, que quanto mais a gente comia, mais tinha vontade.

E a minha saudade escuta os sinos da matriz de São Vicente, e, vestida de anjinho em cetim azul, de laço de fita nos cachinhos negros e asas brancas, segurando um raminho de alfinete de menina, vai, pela mão da minha mãezinha, seguindo a procissão pelas ruas da cidade a cantar o hino do padroeiro “o protetor do povo vicentino”, ou os cânticos em louvor da Virgem Mãe de Deus.

Ou, talvez minha saudade queira ir comer um doce de espécie em forma de coração ou uma pastilha de hortelã, na barraquinha armada no relvado da praça da matriz, que tem ainda no centro o cruzeiro de braços erguidos ao céu; queira ir degustar um bocado do arroz de toucinho de Nhá Luíza, lá na praça do Mercado; ou um pedaço do manuê de milho de Sabina.

E com certeza, minha saudade vai se encantar com os acordes do saxofone de Cobrinha tocando “Saxofone, porque choras?”; com o canto sonoro dos galos a preencherem a madrugada, expulsando, para longe, as curacangas com sua caratonha de fogo e as mangudas de compridas pernas do telhado do mercado; vai se encantar com a sinfonia dos pássaros ao amanhecer.

E minha alma volta a ser criança passeando pelo quimérico mundo azul das minhas recordações, e ouvindo ainda, a voz da minha avó Maria puxando as rezas, que são acompanhadas pela minha mãe, pela minha tia Maritilde, e pelas comadres da vizinhança, no suave anoitecer vicentino: “Ave Maria, cheia de graça!..”

Gracilene Pinto

3 comentários:

TERE disse...

Obrigada Gracilene por ter enviado o texto por mail e obrigada a Zira por ter postado , pois eu estava sem acesso ao Blogue.

Fiquei contente por se ter baseado nas quadras do poema da ("Minha Rua"para escrever nesse Maranhão um texto assim, que só de alguém com sangue nas veias,bem português do norte podia fazê-lo sem conhecer as origens, somente pelas recordações das conversas e hábitos da avó...Bjs para as duas.

Unknown disse...

"Avé Maria cheia de graça"
......
Que a graça seja convosco !!!
Dra. Gracilene, Docetere, Zira e tantas pessoas que vão contribuindo para que as nossas origens e os nossos sonhos não sejam esquecidos.
Bem Hajam.

Anónimo disse...

Mitézinha,
Vocês publicaram as minhas linhas sobre a minha São Vicente?!! eheheh
Que massa!!!
Agora, o que tu não sabes é o quanto me fazes feliz ao reconhecer as minhas gotinhas de sangue lusitano, bem vermelhinho, bem cheio de tradições, de sonhos, de "busões"(crendices populares), bem "português do norte"...
Beijão amiga, e não só a ti, mas também à Zirinha e ao Joe.
Gracilene Pinto