quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Os dois gatos

Dois bichanos se encontraram Sobre uma trapeira um dia: (Creio que não foi no tempo Da amorosa gritaria).
De um deles todo o conchego Era dormir no borralho; O outro em leito de senhora Tinha mimoso agasalho.
Ao primeiro o dono humilde Espinhas apenas dava; Com esquisitos manjares O segundo se engordava.
Miou, e lambeu-o aquele Por o ver da sua casta; Eis que o brutinho orgulhoso De si com desdém o afasta.
Aguda unha vibrando Lhe diz: ''Gato vil e pobre, Tens semelhante ousadia Comigo, opulento, e nobre?
Cuidas que sou como tu? Asneirão, quanto te enganas! Entendes que me sustento De espinhas, ou barbatanas?
Logro tudo o que desejo, Dão-me de comer na mão; Tu lazeras, e dormimos Eu na cama, e tu no chão.
Poderás dizer-me a isto Que nunca te conheci; Mas para ver que não minto Basta-me olhar para ti.''
''Ui! (responde-lhe o gatorro, Mostrando um ar de estranheza) És mais que eu? Que distinção Pôs em nós a Natureza?
Tens mais valor? Eis aqui A ocasião de o provar.'' ''Nada (acode o cavalheiro) Eu não costumo brigar.''
''Então (torna-lhe enfadado O nosso vilão ruim) Se tu não és mais valente, Em que és sup'rior a mim?
Tu não mias?'' - ''Mio.'' - ''E sentes Gosto em pilhar algum rato?'' ''Sim.'' - Eo comes?'' - ''Oh! Se como!...'' ''Logo não passa de um gato.
Abate, pois, esse orgulho, Intratável criatura: Não tens mais nobreza que eu; O que tens é mais ventura.''
Bocage

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