sábado, 28 de novembro de 2009

Na floresta do alheamento

"Sei que despertei e que ainda durmo. o meu corpo antigo, moído de eu viver, diz-me que é muito cedo ainda... sinto-me febril de longe. peso-me não sei por quê...
num torpor lúcido, pesadamente incorpóreo, estagno, entre um sono e a vigília,, num sonho que é uma sombra de sonhar. minha atenção bóia entre dois mundos e vê cegamente a profundeza de um mar e a profundeza de um céu; e estas profundezas interpenetram-me, misturam-se, e eu não sei onde estou nem o que sonho.
um vento de sombras sopra cinzas de propósitos mortos sobre o que sou de desperto. cai de um firmamento desconhecido um orvalho morno de tédio. uma grande angústia inerte manuseia-me a alma por dentro, e incerta, altera-me como a brisa aos perfis das copas.
na alcova mórbida e morna a antemanhã de lá fora é apenas um hálito de penumbra. sou todo confusão quieta... para que há de um dia raiar?... custa-me o saber que ele raiará, como se fosse um esforço meu que houvesse de o fazer aparecer."......
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Fernando Pessoa

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